Por Thiago Soares
25/08/2020

(Foto: Getty Images)

Na coluna de hoje eu não quero ser o dono da verdade, eu não quero mudar sua opinião, eu não quero que você sinta raiva, eu quero que você pense.

Vou começar esclarecendo que não sou advogado de ninguém, gosto de futebol como a maioria e sou completamente fanático pelo Palmeiras. Tenho inúmeros motivos para me irritar com a RGT (detentora dos direitos de transmissão), como por exemplo: Cotas desiguais do pay per view, participação na implosão do clube dos 13, insistência em esconder o nome do Allianz Parque, preço do pacote de futebol, entre outros. No entanto, o assunto de hoje é sobre os direitos de transmissão e eu te convido a refletir sobre isso.

Para começar devemos entender que a relação da RGT com os clubes é um negócio, portanto, deve ser tratado com tal seriedade. Em negociações não existem vinganças, birras, fanatismos, ou coisas semelhantes. Durante as negociações o foco deve ser sempre o melhor para as partes envolvidas.

A maioria dos clubes foi favorável à nova legislação em vigor que concede ao mandante os direitos de transmissão, o campeonato começou e trouxe o imbróglio jurídico. Vejo boa parte dos torcedores comemorando a derrota do suposto inimigo, mas em negociações não existem inimigos, existem partes.

Vamos fazer um exercício, vamos supor que todos os clubes detenham seus direitos como mandantes e esses decidam não renovar os contratos com a atual detentora. Cada clube lança seu próprio modelo de negócios e venda de partidas, então eu te faço as seguintes perguntas:

  • Como você pretende assistir a todos os jogos Palmeiras?
  • Você vai assinar o PPV do SCCP, SPFC, FLA, VAS, GRE, etc.?
  • Você realmente acredita que o valor de cota do Palmeiras vai ficar mais próximo dos outros dois times de massa?
  • Se cada clube vender suas partidas para uma rede de televisão, você acha que todas terão programação voltada para o futebol como um todo ou para os clubes as quais detêm os direitos?
  • Palmeiras x Athletico (Rodada 4 do BR2020) foi transmitido no PPV do clube paranaense ao custo de R$24.90 (assinatura), se fosse a única opção disponível, você assinaria?

Repito, tenho inúmeros motivos para desgostar da RGT, mas ela não é inimiga do meu clube. A TV escolheu um modelo de negocio que eu discordo, mas a maior parcela de culpa está nos clubes e na falta de profissionalismo durante as negociações. A RGT vende bem e investe muito dinheiro no futebol brasileiro, dinheiro que ninguém mais está disposto a investir. A Turner, que comprou direitos de algumas equipes, já está em negociação para rescisão de contratos com os clubes e abandonar as transmissões por não conseguir alcançar o retorno esperado.

É óbvio que diversificar as transmissões é positivo, mas isso não será resolvido na canetada. O monopólio (que em tese não existe mais já que a Turner detém parte dos direitos) só será resolvido quando os clubes entenderem que cota de TV não é patrocínio, entenderem que ninguém entra em campo para jogar sozinho, entenderem que superioridade financeira se faz com produtos licenciados e negócios próprios.

Nós podemos comemorar a canetada como uma derrota do monopólio, mas não foi isso que aconteceu. O que aconteceu foi a quebra da exclusividade e no fundo só causou prejuízo para o campeonato e favoreceu ainda mais a RGT. Agora, qualquer empresa interessada em negociar com o futebol brasileiro e disputar com a RGT vai ter medo. Que grande empresário, em sã consciência, estará disposto a gastar centenas de milhões de reais em um produto sabendo que uma canetada pode invalidar o contrato assinado? O nome disso é insegurança jurídica e só dificulta futuras negociações.

Vou deixar claro, sou contra o novo modelo, a negociação deve ser em grupo e o campeonato deve ter anuência de todos. Se os clubes não tem maturidade para decidirem negociar em conjunto como é feito na Inglaterra, então que sejam obrigados a isso por lei como foi feito na Itália e Espanha. Ninguém entra em campo sozinho, uma partida sempre envolve dois clubes e por esse motivo não acho justo que a mesma partida seja vendida a preços diferentes somente porque um mandate tem mais poder de barganha que outro. Cota de televisão não é patrocínio. Esportes americanos, por exemplo, dividem as cotas igualmente entre todas as equipes. O dinheiro investido em transmissão não pode sabotar a competitividade de um campeonato.

A quebra do Clube dos 13 favoreceu a negociação individual, os clubes entendiam que isso era positivo, porém o resultado dessa situação foi a criação de um abismo financeiro. Antes, quando negociado em conjunto, a menor cota representava 65% da maior. Para efeito de comparação seguem abaixo os valores das cotas 3 (três) maiores cotas e da menor cota do Brasileirão 2019:

  • fla: R$224 milhões;
  • Palmeiras: R$ 166 milhões;
  • SCCP: R$ 147 milhões;
  • Fortaleza: R$ 35 milhões;

A menor cota equivale a 15% da maior. Logo, o Fortaleza ganhou quase 7 vezes menos que o fla para jogar o mesmo campeonato.

A Premier League tem uma divisão justa das suas cotas de TV, os clubes entendem esse preceito, você sabe qual é o resultado?

  1. A menor cota equivale a 65% da maior cota. No Brasil o Palmeiras, que é a segunda maior cota, equivale a 75% da maior cota.
  2. É o campeonato mais competitivo do mundo.
  3. Tem o time mais rico do mundo, a Manchester United. A última vez que o United ganhou o campeonato foi em 2013.
  4. Entre os 10 clubes mais ricos do mundo, seis são ingleses.
  5. A venda do campeonato em pacotes não permite monopólios. Também não existem jogos em TV aberta.

Você pode argumentar que os direitos pertencem aos mandantes na Inglaterra e na maioria dos países europeus, isso é verdade! Porém, as cotas só estão distribuídas igualmente onde a negociação é coletiva.

Para concluir, eu insisto, reflita sobre os valores e questionamentos aqui apresentados. O nosso futebol precisa melhorar em competitividade, para isso temos que entender que não existem inimigos. O fanatismo deve ser deixado de lado e devemos pensar no futuro e na qualidade do futebol no país. Não trate uma negociação como uma guerra entre o bem e o mal, são apenas duas partes interessadas definindo o que acham justo. Futebol é um negocio e deve ser tratado com essa seriedade.

Saudações Alviverdes.